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Para apurar abusos de kalungas, autoridades
fazem audiência em Cavalcante
Parlamentares e integrantes do Poder Executivo nacional marcaram
a visita ao município goiano distante 310km de Brasília
postado em 16/04/2015 14:42
Renato Alves
Integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDHM), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e do Ministério Público Federal (MPF) vão fazer diligências, na próxima segunda-feira (20/4), para colher mais informações sobre as denúncias de abusos sexuais e exploração de trabalho de crianças e adolescentes kalungas. Os parlamentares e as autoridades do Poder Executivo nacional marcaram a visita ao município goiano distante 310km de Brasília, após a publicação de série de reportagens publicadas pelo Correio Braziliense, desde o último domingo (12/4).
O Correio mostrou que garotas nascidas em comunidades quilombolas são vítimas de abusos sexuais, principalmente por parte dos patrões, para quem trabalham como doméstica, em troca de abrigo, comida e oportunidade de estudo. Desde dezembro, a Polícia Civil concluiu oito inquéritos de estupro de vulnerável — em que a vítima tem menos de 14 anos — no município de 10 mil habitantes.
Com as diligências em Cavalcante, os deputados ferais integrantes da CDMH pretendem entrevistar autoridades locais e familiares de crianças e adolescentes da comunidade Kalunga vítimas de exploração sexual. Além de visitas individuais a famílias de vítimas, eles vão fazer audiência pública na sede do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), também na segunda-feira, às 14h, para colher mais informações sobre as denúncias.
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Entre as atribuições da CDHM está a proteção dos direitos das pessoas vulneráveis. Após as diligências, a Comissão poderá requerer a participação de outros órgãos federais e estaduais para agir na garantia dos direitos humanos das vítimas, além da abertura de inquéritos para apurar responsabilidades pelas gravíssimas violações, caso sejam comprovadas.
Convocações
Na manhã desta quinta-feira (16/4), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga casos de violência contra jovens negros e pobres aprovou a convocação de acusados e de testemunhas de estupros de meninas na região da Chapada dos Veadeiros. Entre eles estão o vice-presidente da Câmara Municipal de Cavalcante (GO), Jorge Elias Ferreira Cheim (PSD), e o ex-vereador e assessor da mesma casa Neovalto Cândido de Souza. Ambos são acusados de abusar sexualmente de garotas descendentes de escravas que moravam e trabalhavam como domésticas na casa deles.
Presidente da Frente Parlamentar Contra o Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e integrante da CPI, o deputado federal Roberto Alves (PRB-SP) protocolou ontem o requerimento para convocar Cheim e Souza. No mesmo documento, ele pede à CPI para convidar a prestar esclarecimentos a promotora de Justiça de Cavalcante, Úrsula Catarina Fernandes Siqueira Pinto, do delegado que responde pelo município goiano, delegado Diogo Luiz Barreira, e do presidente da Associação Quilombo Kalunga, com sede em Cavalcante, Vilmar Souza Costa.
Falta estrutura
O Correio mostrou ainda que, mesmo sem estrutura e gente suficiente — a delegacia do município não tem nem um delegado —, agentes e escrivães lotados em Cavalcante desde dezembro decidiram priorizar os casos de estupro de vulnerável. Desde então, concluíram oito inquéritos. O mais recente tem como indiciado Jorge Cheim, 62 anos. Há 20 dias, um laudo comprovou o estupro da menina kalunga de 12 anos que morava na casa dele. O delegado Diogo Barreira, que fica em Alto Paraíso e reponde também por Cavalcante, pediu a prisão preventiva de Cheim. Além de vereador por três mandatos, o acusado é ex-prefeito e marido da atual vice-prefeita do município, Maria Celeste (PSD).
Respondendo pela comarca do município há 18 anos, a promotora Úrsula Pinto é casada com um primo de Cheim. O pedido de prisão preventiva e o inquérito contra o vereador estão com ela. Ela se declarou, na semana passada, suspeita para cuidar do caso de Cheim. A Justiça aguarda o parecer de um integrante do MPGO para decidir se acata ou nega o pedido dos investigadores. Mas, por enquanto, não há um substituto definido. A Corregedoria-Geral do Ministério Público de Goiás (MPGO) analisa reclamação autuada no mês passado contra o trabalho da promotora. Na denúncia, moradores reclamam de uma suposta lentidão e falta de resposta às denúncias de crimes cometidos em Cavalcante.
Em entrevista ao Correio, Úrsula Pinto admitiu a gravidade dos casos de estupro em Cavalcante, mas negou omissão. Sobre o inquérito de Jorge Cheim, alegou que, até sexta-feira, não tinha o laudo anexado ao inquérito. "No mesmo dia em que tomei conhecimento do fato, 30 de outubro, encaminhei ofício de inquérito policial", garantiu. Ela ressaltou que a lentidão nas investigações de crimes em Cavalcante se devem a diversos fatores: "A lentidão não é só em relação a esse processo. Ela é geral, porque não contamos de modo constante com delegado e juiz. Quando chega um juiz, eles logo sai. Desde 2009, temos problemas com delegado, porque ninguém fica. Agora, temos uma estrutura de escrivão. Antes, a coisa ficava à mercê. A única instituição que está aqui e que ouve a população é o Ministério Público."
Sobre a reação dos parlamentares, Úrsula Pinto demonstrou tranquilidade. "Se houver a diligência, será ótimo. Aí, sim, muita coisa será esclarecida e verão quem está se omitindo de fato", destacou. Ela ainda garantiu apurar todas as denúncias que chegam ao seu conhecimento. "Luto contra a omissão do Estado diariamente", afirmou.
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